A filosofia clássica[1]
Elogio do Aprendizado
Aprenda o mais simples!
Para aqueles cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas
Aprenda! Não desanime!
Comece! É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!
Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!
Aprenda, ancião!
Você tem que assumir o comando!
Frequente a escola, você que não tem casa!
Adquira conhecimento, você que sente frio!
Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.
Você tem que assumir o comando.
Não se envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixe convencer
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria
Não sabe.
Verifique a conta
É você quem vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item
Pergunte: o que é isso?
Você tem que assumir o comando.
(BRECHT,
Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo:
Ed. 34, 2001, p. 114)
01 - A Sofística
O Sábio e o Pássaro
“Um homem muito malvado queria colocar o seu mestre
em apuros e por isso bolou um plano maléfico. Tomaria nas mãos um passarinho e
quando o mestre estivesse a ensinar os outros discípulos ele formularia a
seguinte pergunta: Mestre, esse pássaro que tenho em minhas mãos está morto ou
vivo? Se o mestre dissesse que estava vivo, ele o esmagaria com as mãos e
mostraria o corpo do pobre pássaro. Se dissesse que estava morto, ele o
deixaria voar livremente. Qualquer resposta do mestre o faria entrar em apuros.
Tendo arquitetado tão malvado ardil contra o seu mestre, saiu o mau discípulo a
procurá-lo. Encontrando o seu mestre a ensinar, o mau discípulo fez a pergunta
fatal. O mestre, parou, pensou, e percebendo a intenção do homem, deu a
seguinte resposta: _ O destino desse pássaro meu amigo, está em suas mãos!”[2].
A moral da parábola é simples: o destino da vida está em nossas mãos.
Nós somos o fruto de nossas escolhas. Para uma boa escolha, fruto bom; do
contrário, escolha errada. Qual é a sua escolha? Talvez seja essa a grande
indagação dos sofistas.
A reflexão filosófica foi fruto de um longo processo de maturação,
discussão, assimilação e negação de ideias de vários pensadores e culturas: em
uma primeira instância, a reflexão foi direcionada à natureza, no entanto, com
o amadurecimento das discussões, provavelmente entre os séculos V-IV a.C., o ser
humano passou paulatinamente a ser o centro da reflexão. E, esta discussão com
os sofistas[3], tornou-se o polo radiador
das discussões. Isso significa dizer que os primeiros pensadores estavam
voltados para a natureza, ao posso que, com os sofistas, há um redirecionamento: o ser humano passa a ser o centro
da reflexão.
A importância do movimento sofista na história do pensamento não pode
ser subestimada. Seus fundadores foram os primeiros a colocar os problemas do
homem no centro da reflexão filosófica, antecipando assim a iminente revolução
socrática. Foram eles que forjaram o conceito de cultura (de Paideia) enquanto formação integral do
homem grego. Foram eles que ampliaram os conceitos de retórica e de oratória e
do uso correto da razão com maestria. Falar, portanto dos sofistas[4] e da Paideia[5]
é falar dos pedagogos, da formação do indivíduo (e do cidadão) grego. Portanto,
com a Paideia proposta pelos
sofistas, há uma ruptura com o antigo modelo educacional aristocrata (de
linhagem divina). A nova sociedade do séc. V a.C. sente a necessidade de outro
modelo mais amplo e universal (de formação humana) capaz de satisfazer os
ideais do homem da polis. Ora, foi das necessidades mais profundas da vida do
Estado que nasceu a ideia da educação, a qual reconheceu no saber a nova e
poderosa força espiritual daquele tempo para a formação de homens, e a pôs a
serviço dessa tarefa.
O mestre na arte da argumentação
“O homem é a medida de todas as coisas;
daquelas que são, enquanto são;
e daquelas que não são, enquanto não são”.
(PROTÁGORAS)
Os séculos V-IV a.C. de um ponto de vista histórico correspondem ao
período do triunfo da política e da democracia ateniense, das grandes
pós-vitórias dos gregos sobre o império persa, é o século de Péricles e da
atuação das “massas populares”. Em uma perspectiva sofística pode ser definido
como sendo o período da arte da retórica,
da oratória: os pedagogos por meio de
remuneração, ensinavam e auxiliava cidadãos ávidos de poder político a maneira
de consegui-lo. Esse movimento (sofística) tinha um propósito bem delimitado:
tornar públicos os ensinamentos com a promessa de formar homens sábios,
virtuosos, poderosos e felizes.
Conhecemos pouco sobre os sofistas, só há alguns fragmentos dos
principais expoentes (Protágoras e Górgias). Eles quase sempre foram mal
interpretados devido às críticas que sobre eles fizeram Sócrates e Platão. Ora
são vistos como impostores ou demagogos. Durante muito tempo a palavra sofista
fora empregada com o sentido pejorativo. A imagem de certa forma caricatural da
sofística tem sido reelaborada no sentido de procurar resgatar a verdadeira
importância do seu pensamento. São muitos os motivos que levaram à visão
deturpada dos sofistas que a tradição nos oferece[6]. Os principais sofistas
são: Protágoras, Górgias, Hípias,
Isócrates, Pródico, Crítias, Antifonte e Trasímaco. Dentre os sofistas, destacam-se as figuras de Protágoras de Abdera
(480-410 a.C.) e Górgias (480-380
a.C.).
Protágoras é considerado o primeiro e um dos mais importantes sofistas.
Ensinou por muito tempo em Atenas, tendo como princípio básico de sua doutrina
a ideia de que “O homem é a medida de
todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são,
enquanto não são”. O que Protágoras quis dizer ao afirmar que o homem é a
medida de todas as coisas? Será que o homem é realmente a medida de todas as
coisas? Há relativismo no pensamento de Protágoras ou é simplesmente uma
maneira de focalizar o homem como centro de razão de todas as coisas e não mais
os deuses? Alguns afirmam que ele foi o pai do relativismo[7]
graças a essa famosa tese: conforme essa concepção, todas as coisas são
relativas às disposições do homem, isto é, o mundo é o que o homem constrói e
destrói. Por isso não haveria verdades absolutas. Toda verdade seria relativa a
determinada pessoa, grupo social ou cultura. A filosofia de Protágoras sofreu
críticas em seu tempo por dar margem a um grande subjetivismo[8]:
tal coisa é verdadeira se para mim parece verdadeira.
Assim, qualquer tese poderia ser encarada como falsa ou verdadeira,
dependendo da ótica de cada um. O homem é a medida de todas as coisas. Essa era
a sua famosa doutrina, significando que não há verdade exceto aquela percebida
pelo homem. O fundamento dessa ideia consiste em que nada no mundo pode
confirmar sua natureza por si mesmo[9]. Nesta perspectiva, surgem
questões não muito fáceis de serem resolvidas, tais como: se um louco achar que
é Jesus Cristo, o Salvador, isso faria dele ser o Salvador? Provavelmente não,
mas segundo Protágoras esse sujeito poderia ser Jesus para si mesmo, pois a
pessoa e o louco em si estão percebendo duas coisas distintas e não discordando
acerca da mesma coisa. Isso porque a natureza de uma coisa é determinada por
uma interação entre o objeto e quem o percebe, e percebo de maneira diferente
quando estou insano e quando estou totalmente são.
Surge aqui outro questionamento: existe uma verdade não opinável? Além
disso, no que consiste o conhecimento humano? A experiência individual é o
único critério real da verdade. Não existem leis eternas e verdades objetivas,
somente opiniões. Mas a relatividade de todo juízo não deve levar ao
derrotismo: o livre choque de opiniões (dialética)
seleciona sempre a melhor solução, a mais útil. Por isso, mesmo não existindo
qualquer verdade, a tarefa educativa do filósofo permanece essencial.
Protágoras afirmava também a necessidade do estudo e da educação, na medida em
que, se não existem proposições verdadeiras em absoluto, deve-se saber
diferenciar entre as opiniões melhores e piores, mais ou menos úteis ao
indivíduo e à sociedade. Desta forma, pode-se dizer que a tarefa do sofista
abrange, portanto, também um aspecto construtivo e socialmente fecundo ao
encaminhar os cidadãos para os valores e as opiniões mais adequadas a uma
determinada situação.
Em síntese, os sofistas contribuíram para a dessacralização do saber
acumulado pelos pensadores da physis
(os fisiólogos). A sabedoria não é
mais um segredo que o mestre revela a alguns discípulos eleitos, não é mais o
desvelamento da natureza, é uma techne
profana, eficaz e útil, uma mercadoria que se vende, acessível a todos.
02 - A indagação socrática
As três peneiras
“Certa vez, um homem esbaforido chegou até Sócrates
e sussurrou-lhe:
_ Na condição de teu amigo, tenho algo muito grave
para dizer-te, em particular.
_ Espera! – falou o filósofo prudente – Já passaste
o que vais dizer pelas três peneiras?
_ Três peneiras? – perguntou-lhe o visitante
espantado.
_ Sim, meu caro amigo, três peneiras. Observemos se
tua confidência passou por elas. A primeira peneira é a da verdade. Guardas absoluta certeza quanto àquilo que pretendes
comunicar?
_ Bom, – ponderou o interlocutor – assegurar mesmo,
não posso... mas ouvi dizer.
_ Exato. Decerto peneiraste o assunto pela segunda
peneira, a da bondade. Ainda que seja
real o que julgas saber, será pelo menos bom o que me queres contar?
Excitado, o homem replicou:
_ Isso não, muito pelo contrário.
_ Ah! – Tornou o filósofo – Então recorramos à
terceira peneira, a da utilidade e
diz-me o proveito do que tanto te aflige.
_ Útil? – pensou o homem esbaforido – Útil não é.
_ Bom, – concluiu o filósofo com um sorriso – se o
que tens a confiar não é verdadeiro, nem bom, nem útil, esqueçamos o problema e
não te preocupes com ele, já que de nada valem casos sem edificação para nós”[10].
A narrativa supracitada parece atinar para a postura serena do filósofo
de Atenas: uma figura aberta ao diálogo, ponderada, comprometida com a
coerência do discurso, além disso, engajada com a atividade política da sua
cidade. Sócrates[11]
é o que podemos dizer o homem do seu tempo. No tempo de Sócrates, Atenas vivia
o auge de um regime de governo no qual os homens livres decidiam os interesses
comuns a todos os cidadãos. Atenas[12], nesse período havia se
tornado uma grande potência, estendendo sua força por quase toda a Grécia. A
vida cultural era intensa, com grandes escultores e artistas, dramaturgos,
historiadores, médicos e homens públicos.
Uma das problemáticas reinantes no tempo de Sócrates eram as ideias
difundidas pelos sofistas. Ideias essas que favoreceram o surgimento de
concepções relativas sobre as coisas. Segundo tais concepções, não havia uma
verdade única, absoluta, objetiva válida para todas as pessoas. Tudo seria
relativo ao homem, ao momento, a um conjunto de fatores e circunstâncias.
Sócrates, vivendo na democrática e pragmática Atenas do século V, suscita a
discussão, estabelece como teor da sua reflexão a vida da polis, logo, costumes vigentes.
Ao “ensinar” ele não assumia a posição de um professor tradicional, ao
contrário, dialogava e discutia muito com os que lhe abordavam. Ao assumir uma
postura de oposição aos sofistas, ele se identificava como aquele que sabia que
não sabia. Talvez por ignorância mesmo ou por humildade. Isso significa dizer
que em se tratando da possibilidade do conhecimento ou da verdade, é certo de
que Sócrates trouxera para o cenário reflexivo uma certeza, que era a de que
nada sabia. Quem se põe em tal atitude, no mínimo, está disposto a lançar-se na
busca da verdade (certeza) mesmo que seja, a princípio, uma verdade vazia que
precisava ser preenchida. Sócrates parece que se dispõe a essa missão. Missão
que pode ser compreendida dentro de um contexto de diálogo, de confronto de
ideias livres e racionais.
O método socrático
“Ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto
eu, se não sei, tampouco suponho saber.
Parece que sou um pouco mais sábio que ele
exatamente por não supor que saiba o que não sei”[13].
Sócrates, em um primeiro momento, ia interrogando os seus interlocutores
sobre aquilo que pensavam saber acerca do Bem
e do Mal, do Justo e do Injusto, do Belo e do Feio. No decorrer do diálogo, atacava de modo implacável os seus
interlocutores e levava-os a reconhecerem a sua própria ignorância. Uma vez
destruída as certezas, sua tarefa consistia em reconstruir paulatinamente o
conhecimento via diálogo. Através do diálogo ele estabelecia a possibilidade
universal da verdade, da justiça, do bem e do belo, na
proporção em que ele fazia a pergunta pela natureza de tal realidade. Sócrates
acreditava que a verdade como tal era algo imanente (ou seja, interior ao ser)
ao mundo e aos homens, que ele era capaz de extrair mediante indagação
ponderada. Assim, em vez de se autopromover (à maneira dos sofistas) com um
grande repertório de sabedoria, ele se comparava a uma parteira por fazer parir a verdade.
Sócrates achava que sua tarefa era ajudar as pessoas a gestarem opiniões
próprias, mais acertadas, pois o verdadeiro conhecimento tem de vir de dentro e
não pode ser obtido “espremendo-se” os outros. Na prática, Sócrates tinha o
costume de pedir a pessoas de notório saber que dessem suas definições de
conceitos como justiça, coragem ou bem. Depois, Sócrates passava a dar mais
conteúdo às suas perguntas, até descobrir uma crença sustentada por seu opositor
que, ao mesmo tempo em que era verdadeira, estava em contradição com a posição
inicial dele. Mais perguntas se seguiam, até que se chegasse a um acordo quanto
a uma definição aceitável. Em geral, a reação do opositor era maravilhar-se
perante a sabedoria de Sócrates. A essa postura socrática dá-se o nome de
método socrático[14].
Neste contexto é oportuna a pergunta pela tarefa da filosofia: qual é o
papel da filosofia? A verdade pode ser ensinada? A filosofia nesse sentido, não
ensina a verdade, mas ajuda o indivíduo a descobri-la sozinho. Não oferece
soluções, mas um método para raciocinar a partir de si mesmo. A verdade é uma
conquista pessoal e a educação é sempre autoeducação, um processo de
amadurecimento interior que pode ser estimulado, mas não provocado, a partir do
exterior. Além disso, Sócrates acreditava que o conhecimento do que é certo
leva ao agir correto. E “só quem faz o que é certo” – assim dizia Sócrates “– pode se transformar em uma pessoa de
verdade”. Na prática, o filósofo estava preocupado em encontrar definições
claras e válidas universalmente para o que é certo e o que é errado.
Contrariando os sofistas, ele acreditava que a capacidade de distinguir entre o
certo e errado estava na razão, e não na sociedade.
Vale salientar que a sua busca incessante pela verdade lhe custou a
vida, pois o desejo dos atenienses de se aperfeiçoar acabou se esgotando, junto
com sua paciência. Consistindo, de fato, na humilhação pública dos grandes e
dos bons, a investigação de Sócrates foi muito corretamente identificada como
uma ameaça às bases da sociedade grega. Por fim, para alguns atenienses
Sócrates “denegria” o princípio essencial da democracia ao afirmar que as
decisões não deviam ser tomadas pelo voto, mas por reis-filósofos, com base em
sua sabedoria “superior”.
Provocação Filosófica – Sócrates e a decorrência de sua ação política
“No
Brasil não existe filantropia, o que existe é pilantropia” (Herbert de Sousa –
Betinho).
A postura filosófica de Sócrates destoava da postura dos sofistas. Esses
eram mestres na arte da argumentação, porém, seus ensinamentos eram
descomprometidos com a verdade (ou pelo menos com o modelo de verdade vigente).
Os ensinamentos eram direcionados conforme interesses pessoais. Ao contrário,
Sócrates defendia a possibilidade de um conhecimento autêntico e universal,
válido para todas as pessoas. Além disso, o seu engajamento, o grau de
comprometimento para com a verdade lhe custou à vida.
Se fosse possível estabelecer um diálogo entre os sofistas, Sócrates e
os atuais políticos brasileiros não seria exagero afirmar que a postura dos
nossos políticos beira a demagogia, a falação, a hipocrisia e muito se aproxima
dos sofistas. Qualquer brasileiro que tenha acesso aos meios de comunicação de
massa já ouviu (e viu) falar em desvios de verbas públicas nas áreas da saúde,
da educação, da habitação, porém, não consta na história da política brasileira
um político mártir que tenha morrido em nome da ética na política. Entretanto,
a população como um todo parece “aceitar” ou achar “natural” a postura
demagógica dos “nossos” representantes. E, isso é contraditório, por qual
razão? Muitas são as Comissões
Parlamentares de inquéritos (CPIs), muita divulgação por parte da mídia e
poucos são os que realmente são sentenciados, julgados e aprisionados.
Simplesmente roubam e saem impunemente. Por que não há revolta popular ou mesmo
rejeição a esses políticos em época de eleições? Há um texto proposto por
Platão que torna visível a postura de um cidadão autêntico.
“À parte a questão da honra, senhores, não me
parece justo pedir e obter dos juízes minha absolvição, em vez de informá-los e
convencê-los. [...] Pode alguém perguntar: Mas não serás capaz, ó Sócrates, de
nos deixar e viver calado e quieto? De nada eu convenceria alguns dentre vós
mais dificilmente do que disso. Se vos disser que assim desobedeceria ao deus
e, por isso, impossível é a vida quieta, não me dareis fé, pensando que é
ironia; doutro lado, se vos disser que para o homem nenhum bem supera o
discorrer cada dia sobre a virtude e outros temas de que me ouvistes praticar
quando examinava a mim mesmo e a outros, e que vida sem exame não é digna de um
ser humano, acreditareis ainda menos em minhas palavras. Digo a pura verdade,
senhores, mas convencer-vos dela não me é fácil. Acresce que não estou
habituado a julgar-me merecedor de mal nenhum. [...] Perdi-me por falta, não de
discursos, mas de atrevimento e descaro, por me recusar a proferir o que mais
gostais de ouvir, lamentos e gemidos, fazendo e dizendo uma multidão de coisas
que declaro indignas de mim, tais como costumais ouvir dos outros. [...] Quer
no tribunal, quer na guerra, não devo eu, não deve ninguém lançar mão de todo e
qualquer recurso para escapar à morte”[15].
Sócrates no momento de sua defesa poderia ter faltado com a verdade, ter
silenciado, subornado alguém ou até mesmo fugido para outra cidade, no entanto,
permaneceu convicto de seus ideais e por isso foi condenado a morte. Resta
saber, portanto, vale à pena falar a verdade mesmo que lhe custe à vida? O que
pode ocorrer se por ventura uma população de uma determinada cidade ou nação
resolver silenciar frente à corrupção de um servidor público?
03 - Há luz para além da caverna
“Os males não cessarão para os homens antes que a
raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder” (PLATÃO).
O filósofo Platão (427 - 347 a.C.) é uma figura intrigante: por um lado,
busca resgatar algumas ideias elaboradas pelos pensadores originários gregos e,
por outro lado, busca dar uma nova configuração à filosofia a partir das ideias
do seu mestre Sócrates e vai além, na proporção em que pensa o Estado como um
todo, inclusive, com a sua governabilidade. Nascido em Atenas, Platão foi
discípulo de Sócrates, a quem considerava “o
mais sábio e o mais justo dos homens”. Além disso, funda a Academia e dá início à sua atividade
filosófica.
Uma questão que pode ser posta inicialmente diz respeito à filosofia de
Platão, assim sendo, como compreendê-la? Para tal compreensão, necessário se
faz ter uma visão sobre o real e o ilusório (sentidos e razão) e sobre o
próprio homem. Os filósofos em sua maioria têm uma maneira distinta de verem as
coisas, mas no caso de Platão, essa visão da realidade parece inverter os dados
a tal ponto que o que parece real (aos olhos das pessoas comuns) torna-se
ilusório, o mundo teoricamente concreto para o comum dos mortais, é para ele
aparência, engodo, uma peça que os sentidos pregam.
Platão é considerado um dos fundadores da filosofia ocidental e, quando
se fala em filosofia, subentende-se que ela seja exatamente a superação das
explicações míticas, então, qual a razão do filósofo fazer uso do mito e de
alegorias para explicar a sua teoria? Nesse caso, o mito teria a função de
persuadir os interlocutores assim como tivera para os sofistas ou ainda como algo
puramente fabuloso? É plausível estabelecer uma ligação da alegoria, do mito
com o conhecimento sensível? No período de Platão havia uma questão crucial a
ser resolvida: o problema do ser e do
não ser. Duas linhas investigativas
oriundas dos pensadores originários gregos[16]. Como Platão conseguiu
resolver essa aporia, ou seja, como ele tornou compatível o ente (que é uno, imóvel e eterno) com as
coisas (que são múltiplas, variáveis,
perecíveis)? A resposta a essas questões passa pela compreensão das Ideias[17].
Para fundamentar sua teoria, a origem do homem e do conhecimento das
ideias, Platão, dentre outros recursos, apropria-se de algumas narrativas
míticas, dentre elas, o Mito da Parelha
Alada[18] e o
Mito da Caverna (A República
livro VII) para explicar a imortalidade da alma, a origem do homem, o processo
de reminiscência (anámnesis) das ideias e do conhecimento.
Para o filósofo, o conhecimento para ser autêntico deve ultrapassar a esfera
das impressões sensoriais, o plano da opinião e penetrar na esfera racional da
sabedoria que é o mesmo que o Mundo das
Ideias[19].
Para atingir esse mundo, o ser humano não pode ter apenas “amor às aparências”
(filodoxia), precisa possuir um “amor
ao saber” (filosofia). O método
proposto pelo filósofo para atingir o conhecimento autêntico (epistemé) é a dialética[20].
O papel do filósofo
“_ Sócrates, não poderias tu viver
longe da pátria, calado e em paz?
_ Eis justamente o que é mais difícil fazer aceitar a alguns dentre vós:
se digo que seria desobedecer ao deus e que, por essa razão, eu não poderia
ficar tranquilo, não me acreditaríeis, supondo que tal afirmação é, de minha
parte, uma fingida candura. Se, porém, digo que o maior bem para um homem é
justamente este, discorrer todos os dias sobre a virtude e os outros argumentos
sobre os quais me ouvistes raciocinar, examinando a mim mesmo e aos outros, e,
que uma vida sem esse exame não é digna de um ser humano, ainda menos
acreditaríeis no que digo”[21].
Platão em – Apologia de Sócrates
- ilustra perfeitamente o papel do filósofo, no caso, de Sócrates: o filósofo é
alguém profundamente comprometido com a verdade, ou seja, com as virtudes, com
o conhecimento, com a sabedoria. Para ser mais preciso, o grau de
comprometimento é tamanho que o filósofo é condenado à morte por não abrir mãos
dos seus preceitos morais. Para Platão, filosofar não é simplesmente um
exercício mental de persuasão de seus interlocutores, é compromisso, busca
constante pela verdade válida universalmente (logo para todas as pessoas que
participam da vida na cidade). Em outro diálogo de Platão – A República – nos livros VI e VII, há a
abordagem do papel do filósofo[22]: o filósofo é aquele que
tem diante de si um modelo ao qual compara os objetos da opinião, e só ele é
capaz de legislar sobre o belo, o justo e o bom. Ama, por isso, a verdade, e
possui, desse modo todas as virtudes. Mas não existe filósofo completo e
perfeito. O que pode formar um filósofo é uma educação cuidadosamente apropriada à sua finalidade. Para Platão, a educação
não consiste em trazer o conhecimento de fora para dentro, mas em despertar nos
indivíduos o que eles já sabem.
Resta saber como se dá a efetivação
do ser humano? Segundo Platão, o espaço de efetivação do ser humano é o Estado. É ele quem possibilita aos
indivíduos a sua realização. É através dele que o ser humano é capaz da
ascensão. Assim sendo, ética e política estão intimamente relacionadas e
direcionadas para o bem. O Estado idealizado por Platão é semelhante ao corpo
humano. Assim como o corpo possui “cabeça” e “baixo-ventre”, também o estado
justo possui governantes, sentinelas e trabalhadores. Desse modo, um Estado justo (que se diga justiça
platônica) se caracteriza pelo fato de cada um conhecer o seu lugar no todo.
Decisivo para a criação de um bom Estado é que ele seja governado pela razão, ou seja, pelos filósofos - “os males não cessarão para os homens antes
que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder”.
Este modelo estatal pensado pelo filósofo assemelha-se às castas
existentes na Índia onde cada um tem sua função especial para o bem de todos,
do Estado. E é, justamente, dessa concepção de Estado que posteriormente vai
apropriar-se Santo Agostinho – Cidade de Deus, contrapondo-se à cidade dos
homens. Duas realidades, dois governos e uma perfeição a vista onde tudo se
valia para alcançá-la – Reino de Deus.
Provocação Filosófica - da alegoria da caverna e a sociedade do espetáculo.
“O mundo [...] que o espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria
dominando tudo o que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado como
ele é, pois o seu movimento é idêntico ao afastamento dos homens entre si e em
relação a tudo que produzem”. (DEBORD,
2008, Tese 37)
Filosofar é pisar no solo do estranhamento, ir além do falar comum. É
rememorar as ideias subjacentes propostas pelos pensadores no desenrolar da
história. É marcar presença na vida cotidiana. É fecundar o futuro com novas
ideias que apontem transformação da sociedade enquanto tal. É papel da
filosofia e do filósofo não somente transitar pela história, mas descobrir-se
enquanto participe dela. O filósofo não pode abdicar do momento: a filosofia só
faz sentido, em última instância, se for uma palavra fecunda e presente.
Após vinte e cinco séculos de reflexão filosófica, as ideias propostas
por Platão parecem dignas de apreço e de referência para o discurso filosófico.
São vários os pensadores que no desenrolar da filosofia se apropriaram de suas
ideias, ora para justificar alguma posição filosófica ou religiosa, ora para
criticar a sua postura. Neste momento, busca-se contemplar desde filósofo
apenas a sua teoria das ideias (especificamente, A Alegoria da Caverna), uma bela imagem e oportuna para uma leitura
do mundo atual. E, a partir dessa imagem, dialogar com Debord (1931-1994) em
sua obra A Sociedade do Espetáculo.
E, ainda, nesse ínterim contemplar a nossa sociedade, o efeito magnético da
mídia televisiva brasileira.
A tese básica da Alegoria da
Caverna (livro VII da República
de Platão) já foi comentada anteriormente, logo, parece oportuno ir direto a
teoria proposta por Debord em A Sociedade
do Espetáculo[23].
Essa obra é uma teoria crítica (que foi publicado pela primeira vez em novembro
de 1967, em Paris) que em seu esboço deixa entrever a desilusão da existência,
a negação da vida tornada visível, a perda da qualidade de vida ligada à
forma-mercadoria, a proletarização do mundo, ao modelo econômico capitalista, a
sua forma de estruturação da sociedade.
Debord vai dizer que o espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a
própria sociedade e seu instrumento de unificação. “Enquanto parte da
sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser
algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a
unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação
generalizada”. Em outras palavras, o espetáculo não é um conjunto de imagens,
mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens.
O espetáculo é simultaneamente o resultado e o projeto do modo de
produção existente. Ele não é um complemento ao mundo real, um adereço
decorativo. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas
formas particulares de informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto
do entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente
dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e no
seu corolário - o consumo. A forma e
o conteúdo do espetáculo são a justificação total das condições e dos fins do
sistema existente. O espetáculo é também a presença permanente desta
justificação, enquanto ocupação principal do tempo vivido fora da produção
moderna.
A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o
resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais
ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens
dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o
seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age
aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que
lhos apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em parte alguma,
porque o espetáculo está em toda a parte. Platão nos adverte para o engodo que
é o mundo dos sentidos. Hoje vivemos a cultura do espetáculo escancarada a
todos os sentidos. O mito da caverna conta a história de pessoas que viviam no
interior de uma caverna, desde a infância e de onde nunca saíram. As pessoas,
acorrentadas, só conheciam o mundo externo por meio de sombras que eram
projetadas no interior da caverna, ou seja, a visão do mundo externo era uma
visão totalmente distorcida e limitada, pois se resumia as sombras diversas.
Neste mesmo horizonte reflexivo, há outro pensador (Feuerbach) que diz
algo semelhante: “o nosso tempo, sem
dúvida, prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à
realidade, a aparência ao ser. O que é sagrado para ele, não passa de ilusão,
pois a verdade está no profano”. Ou seja, à medida que decresce a verdade a
ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão
é também o cúmulo do sagrado. O filósofo alemão parece antever e traduzir a
atmosfera da sociedade moderna (e pós-moderna): sociedade do espetáculo, do
consumo, da imagem, logo, da inversão. O nosso tempo prefere a representação à
realidade. É bem verdade que Feuerbach em - A
Essência do Cristianismo - estava criticando o cristianismo em sua
essência.
Essa postura não difere muito da ideia exposta por Guy Debord. Para ele
toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção
se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era
diretamente vivido se esvai na fumaça da representação. Além disso, as imagens
fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum, de forma
que a unidade da vida não mais pode ser restabelecida. A realidade considerada
parcialmente reflete em sua própria unidade geral um pseudo mundo à parte,
objeto de pura contemplação. A especialização das imagens do mundo acaba numa
imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O espetáculo em
geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo.
Se fosse possível fazer um quadro comparativo da Alegoria da Caverna e da Sociedade
do espetáculo com a Mídia televisiva brasileira, poderia dizer-se que a
mídia televisiva brasileira oferece aos telespectadores um monólogo colorido de
ideias, modos, maneiras comportamentais, sem, contudo, oferecer aos
telespectadores sequer o direito de dialogar (com a mesma). Segundo Chauí, a
indústria cultural vende Cultura. “Para
vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não
pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o
perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já
viu, já fez”[24].
A “mídia” é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com
cara de coisa nova.
Nesta mesma perspectiva e em conformidade com Novaes, na sociedade
capitalista atual, a produção alienada vem juntar-se ao consumo alienado. O
consumidor é consumidor de ilusões. “Consumidores
de ilusões são todos os que, hipnotizados pela cultura de massa, consomem
imagens irrefletidamente e da vida autêntica volvem à inautêntica. Quanto mais
eles consomem as ‘imagens dominantes’, menos eles compreendem suas existências,
seus desejos”[25].
O que realmente importa a indústria cultural? O que importa a indústria
cultural capitalista hodierna não é a pessoa em última instância e, sim, um
consumidor em potência: importa que ele consuma, não importa o quê. O quê é
detalhe assim como a pessoa. O mundo que o espetáculo faz ver é o mundo da
mercadoria dominando tudo o que é vivido. Como diz Debord, “o mundo da mercadoria é assim mostrado como
ele é, pois o seu movimento é idêntico ao afastamento dos homens entre si e em
relação a tudo que produzem” (DEBORD - Tese 37). Daí pode-se questionar:
será que a televisão brasileira lança luzes e tira as pessoas do mundo das
ilusões ou simplesmente amplia as sombras da ignorância? E, ainda: será que a
pessoa de visão, que tem uma percepção diferente do mundo, que não tem medo,
pode fazer a diferença ao compartilhar o mundo da mídia televisiva com os seus
concidadãos?
[1] Reflexão elaborada por Francisco
Alves de Miranda
[2] Disponível em: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/simonetti/o-sabio-e-o-passaro.html. Acesso em 26 Jul. 2012.
[3] “A palavra Sofista,
etimologicamente, vem de sophos, que
significa sábio. A sofística é a corrente filosófica preconizada pelos
sofistas, mestres de retórica e cultura geral que exerceram forte influência
sobre o clima intelectual grego entre os V e IV a.C. Ela não é uma escola
filosófica, mas uma orientação genérica que os sofistas acataram devido às
exigências de sua profissão. O interesse filosófico concentra-se no homem e em
seus problemas (a postura socrática também estava voltada para o ser humano e
seus problemas). O conhecimento reduz-se à opinião e o bem, à utilidade.
Consequentemente, reconhece-se da necessidade da verdade e dos valores morais,
que mudariam segundo o lugar e o tempo”. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
[4] “O século V a.C. é o ponto de partida histórico necessário do grande
movimento educativo. É nesse período que vai ocorrer o ingresso da massa na atividade política. Ora, com a maior
participação popular na política, há uma maior democracia. É o momento das
grandes discussões no campo da política, da liberdade e da autoridade [...] A
sofística é um modelo de ensino voltado para a vida prática (para a cidade,
suas leis e sua política), focalizado o seu ensinamento na arte de bem falar.
Não era um ensinamento gratuito, no entanto, quem pudesse pagar poderia ter
acesso. Logo, não era exclusividade da nobreza. Em certo sentido, esse
ensinamento poderia favorecer aos alunos (mediante o desempenho) o êxito na
vida pública, ou seja, na política. Ora, se antes o ideal de formação era, em
última instância, a virtude, agora, virtuoso é o homem (cidadão) orador, o de
boa eloquência, de boa retórica. Doravante, a educação se justificará por meio
da proeminência espiritual e na força moral e não mais pela prerrogativa de
sangue divino. Brota dessa forma a ideia de espírito grego (ideal de cultura).
É importante deixar claro de que desde o começo, a finalidade da sofística não
era a educação do povo, mas a dos chefes – educação dos nobres. A sofística é o
movimento por excelência da palavra,
ou seja, da arte da oratória (do bom
uso da palavra nas assembleias públicas). No séc. V a.C. em diante a arte da
oratória é de fundamental importância para os representantes políticos. É bem
verdade que os sofistas, por dinheiro, ensinavam a arte argumentativa. Por fim, a sofística é uma resposta bem presente
dada pelos pedagogos aos problemas surgidos em consequência da
transformação do estado econômico e social”. JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego.
Trad. Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 335-385.
[5] A palavra
Paideia (como foi visto
anteriormente) significava, de início, “criação dos meninos”. Todavia, com o
passar do tempo essa expressão foi ganhando novo significado. Por volta dos
séculos V e IV a.C., o conceito alargou-se, significando cultura, educação,
todo o apanhado espiritual do cidadão grego. A Paideia tem como tarefa
construir o homem como homem e como cidadão. É nesse sentido que se deve
entender o sentido de educação. Educar é tornar o ser humano melhor, torná-lo
virtuoso enquanto indivíduo e enquanto cidadão fiel ao Estado.
[6] “Um deles é a enorme diversidade teórica entre os pensadores reunidos
sob a designação de sofista. Talvez o que possa identificá-los é o fato de
serem considerados sábios e pedagogos. Vindos de todas as partes do mundo
grego, desenvolveram um ensino itinerante pelos locais em que passavam, mas não
se fixaram em lugar algum. Deve-se a isso o gosto pela crítica, o exercício do
pensar, resultante da circulação de ideias diferentes”. ARANHA, Maria L. de
Arruda e MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando.
São Paulo: Moderna, 1994, p. 92-125.
[7] Entenda-se por Relativismo a teoria filosófica fundada na
relatividade do conhecimento, recusando toda e qualquer verdade ou valor tidos
como absolutos. A opinião e o ponto de vista são importantes meios válidos de
conhecimento. Por outro lado, a moral, a religião ou a política, por exemplo,
são verdades relativas ao indivíduo, não verdades objetivas ou transcendentes.
As coisas são como são e cada indivíduo pode interpretá-las de forma a
aproximar-se da realidade. O Relativismo pode ser entendido assim como a
postura ou teoria de refutar a existência de verdades e de defesa da opinião.
[8] Subjetivismo (de subjetivo + - ismo) é a tendência para afirmar a
prioridade do subjetivo sobre o objetivo; subjetivismo filosófico é a doutrina segundo a qual, quer relativamente (para
sujeito), quer absolutamente (em si), só há realidade subjetiva; subjetivismo
gnosiológico doutrina segundo a qual
o sujeito apenas conhece as coisas tais como são para si, ou que apenas conhece
as suas próprias representações; subjetivismo ontológico doutrina segundo a qual só existe o sujeito pensante e
as suas representações (idealismo absoluto), ou mesmo representações sem
sujeito substancial (fenomenismo).
[9]
Exemplificando: se o vento parece
quente para mim e frio para você, ele é ao mesmo tempo quente-para-mim e
frio-para-você. Isso não significa que o vento seja ao mesmo tempo quente e
frio, apenas que não possui uma temperatura em si, só em sua relação com
aqueles que o sentem. O modo como algo é percebido diz respeito a esse objeto e
à pessoa que o percebe, a mais ninguém. O fato de um outro sujeito julgar o
vento frio não faz com que este deixe de parecer quente para mim. Como as
coisas só adquirem sua natureza específica no modo como são percebidas por
alguém, nunca se pode dizer que estou errado no modo como percebo algo. Logo, não
posso ser desmentido pela natureza do objeto, já que, sem minha percepção, ele
não tem natureza alguma, tampouco posso ser desmentido pelo testemunho de
outros, já que as percepções deles não têm relação alguma com a minha.
[11] Quem foi Sócrates? Uma figura um tanto enigmática. Sua vida é conhecida
sobretudo através de Platão, seu discípulo e também um dos grandes filósofos.
Um ponto importante da atuação de Sócrates como filósofo estava no fato de que
ele não queria propriamente ensinar as pessoas. Para tanto, em suas conversas,
ele dava a impressão de que ele próprio queria aprender com seus
interlocutores.
[12] Mas Atenas tinha uma forte rival, Esparta, cidade militarizada. Essa
rivalidade se acentua no período das famosas guerras do Peloponeso (431-404 a.C.). Atenas sai derrotada e,
consequentemente, abalado o seu regime político democrático. Nesse ínterim,
Atenas vive um período de turbulência, de intrigas, de conspirações e
corrupção, que pode ser caracterizada por crise dos valores morais. Após essa
turbulência, a democracia em Atenas é restabelecida, no entanto, não mais será
a mesma. Sócrates vive exatamente neste período e se depara com toda essa
problemática.
[13] SÓCRATES apud COTRIM. COTRIM, Gilberto. Os
Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2000, p 93.
A)
Ironia (do grego eironéia, perguntar),
na arte de perguntar, de interpelar os seus interlocutores e, a partir desse
diálogo, provocava as pessoas a professarem a sua ignorância.
B)
Após
isso, procurava organizar o saber, restituir o conhecimento, levava-os a
parirem as suas próprias ideias, daí a maiêutica
(a arte de trazer à luz as ideias). Só o conhecimento que vem de dentro é capaz
de rever o verdadeiro discernimento. Sendo assim, todas as pessoas podem
entender as verdades filosóficas, bastando para isto usarem a sua razão.
[16] Como foi visto anteriormente, havia duas propostas: uma proposta pelos mobilistas (em especial, por Heráclito –
o ser como devir) e a outra proposta pelos imobilistas
(em especial, Parmênides – o ser eterno).
[17] As ideias são formas, modelos
perfeitos ou paradigmas, eternos e imutáveis, construindo um mundo
transcendente, do qual os objetos concretos do mundo de nossa experiência
sensível são cópias ou imagens imperfeitas, derivadas das ideias; a ideia é a
própria essência do real, considerada como existindo autonomamente.
[18] Segundo essa
narrativa, “A alma, em sua situação originária, pode ser
comparada a um carro puxado por dois cavalos alados, um dócil e de boa raça, o
outro indócil (os instintos sexuais e as paixões), dirigido por um cocheiro (a
razão) que se esforça para conduzi-lo bem. Esse carro, num lugar supraceleste,
circula pelo mundo das ideias, que a alma assim contempla, mas não sem custo.
As dificuldades para guiar a parelha de cavalos fazem com que a alma caia: os
cavalos perdem as assas, e a alma fica encarnada num corpo. Se a alma viu as
ideias, por pouco que seja, esse corpo será humano e não animal; conforma as
tenham contemplado mais ou menos, as almas estão numa hierarquia de nove graus,
que vai do filósofo ao tirano. A origem do homem como tal é, portanto, a queda
de uma alma de procedência celeste e que contemplou as ideias”. MARÍAS, Julián.
História da Filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 2004, p. 52-53.
[19]
Síntese da Teoria
das Ideias proposta por Platão:
A)
O Mundo das ideias encontra-se em uma realidade supraceleste. A compreensão do Mundo das Ideias passa pela
compreensão do Mundo Sensível e do Mundo Inteligível.
·
O mundo Sensível é acessível aos sentidos.
Trata-se de falar do mundo regido pela opinião (doxa);
·
O Mundo das
Ideias está acima do mundo sensível e é representado pelos modelos
perfeitos ou paradigmas, eternos e imutáveis. Ele é regido pela razão (epistemé);
·
Exemplificando: mesmo se percebêssemos inúmeros coelhos dos mais
variados tipos, a ideia de coelho deve ser una, imutável, correspondente à
verdadeira realidade.
·
Portanto, acima do ilusório mundo sensível, há o
mundo das essências imutáveis que o ser humano atinge pela contemplação e pela
depuração dos enganos dos sentidos;
B) Há uma dialética (ascendente) que fará a alma elevar-se
das coisas múltiplas e mutáveis às ideias unas e imutáveis. As ideias gerais
são hierarquizadas e no topo delas está a ideia do Bem. E o bem supremo é
também a suprema beleza – “E que existe o belo em si, e o bom em si, e, do
mesmo modo, relativamente a todas as coisas que então postulamos como
múltiplas, e, inversamente, postulamos que a cada uma corresponde uma ideia,
que é única, e chamamos-lhe a sua essência”. (PLATÃO - A República 507 b-c).
[20] A dialética consiste na contraposição de
uma opinião com a crítica que dela se pode fazer, ou seja, na afirmação de uma tese qualquer seguida de uma discussão e
negação desta tese (antítese), com o
objetivo de purificá-la dos erros e dos equívocos. A dialética platônica é o processo pelo qual a alma se eleva, por
degraus, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou ideias. A
dialética consiste na passagem do mundo das sensações para o mundo ideal. A
dialética é um caminho de mão dupla: saída da caverna (ascendente) e o retorno a mesma (descendente). O primeiro permite ver as coisas como elas são, permite a tomada de consciência. Ao
tomar ciência da realidade, o ex-prisioneiro retorna ao interior da caverna a
fim de libertar os seus companheiros. Isso deixa entrever o compromisso ético
por parte desse homem, ou seja, do filósofo. A
dialética dá-se por intermédio do diálogo do sujeito (subjetividade) com os outros (intersubjetividade)
na proporção em que toma como princípio o Eros
(amor) enquanto referência para a ação humana (e o seu elevo espiritual).
[22] O filósofo é
aquele que ultrapassa o plano da opinião
(do amor as aparências) e penetra na esfera racional da sabedoria. Além disso, está voltado para o todo e não para um
aspecto da realidade, no caso, a aparência.
É aquele que possui um espírito superior capaz de contemplar a totalidade de
todas as coisas. (Cf. República VI
511 b-c; Fedro 265 c-d; Leis VII, 344 b). Na Alegoria da Caverna, Platão compara o acorrentado ao homem comum que permanece dominado pelos
sentidos, pelas paixões e que só atinge um conhecimento imperfeito da realidade
(doxa). O homem que se liberta dos grilhões é capaz de atingir o
verdadeiro conhecimento (a episteme/
ciência). Ora, o liberto não se contenta
simplesmente com a sua liberdade, ele tem um compromisso ético para com os demais: após acostumar-se com a luz do sol (no
caso, a verdade/ o conhecimento) ele retorna ao interior da caverna e procura
libertar os demais prisioneiros. Nesse sentido, ser filósofo é está
comprometido com a sua realidade.
[23] A reflexão que faz
referência a Guy Debord tomou por base a obra: DEBORD,
Guy. A Sociedade do Espetáculo. Trad.
Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contratempo, 2008.
[25] Há um bom exemplo ilustrativo proposto por Novaes para se compreender a
inversão da autenticidade da existência da pessoa do telespectador. Novaes
relata o seguinte: “Não assisto ao BBB,
mas ao entrar no IG para ler meus e-mails, corri os olhos sobre as
notícias do Último Segundo e vi uma chamada para uma entrevista de Pedro Bial
concedida ao jornal. Lendo tal entrevista deparei-me com a seguinte fala do
apresentador do programa BBB: ‘Ralf e
Milena fazem sexo com regularidade. Quem tem pay per view acompanha. A câmera não fica muito tempo neles, não
por pudor, mas porque é chato’”. A partir dessa experiência, Novaes vai nos
dizer que é da ordem do grotesco pessoas copularem diante de câmeras cônscias
da existência dessas e de que, o que supostamente seria um momento de
intimidade e privacidade de ambas, está sendo filmado. Seria o caso de uma
perversão exibicionista, gerada e alimentada pela perversão do nosso triste
sistema capitalista que não tem pudor e não se detém, quando recordes de
faturamento estão sendo obtidos. Ver comentário completo In: NOVAIS, Augusta
Cristina. BIG BROTHER BRASIL e a
sociedade do espetáculo. Revista: Filosofia Ciência & Vida nº 34 – ano
2009.
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